Era quase o fim da Era de Sunnydale High em BTVS. Seguindo esta premissa, a roteirista Jane Espenson (de Grey’s Anatomy e Once Upon a Time) nos brindou com um episódio inesquecível em que o pano de fundo foi uma das metáforas mais bem elaboradas de sofrimento dos estudantes dentro de um Colégio.
Em uma caçada a Demônios, Buffy acaba sendo infectada. Giles logo se preocupa com o fato de que agora ela pode tomar para si o que chama de “o aspecto do Demônio”. A caçadora passa algum tempo imaginando qual seria esse aspecto e pensa em algo como usar chifres ou ter um rabo, coisas desse tipo. Do tipo Buffy de ser, ou seja, muito engraçado.
O que não tem muita graça é o contexto desse drama poderoso que a autora de Earshot teve de usar para abordar a solidão, inquietação, esperanças e dúvidas de todos os estudantes com a aproximação do fim do tempo letivo. Um assassinato em massa foi o que impulsionou um dos maiores roteiros do seriado e com uma atenuante bem notável para a época.
Escolas americanas se tornavam alvo de alunos com baixa autoestima que sem ter um Herói, ou no mínimo, alguém para escutar, entender sua dor, se enveredaram por um caminho perigoso de ostracismo e na maioria das vezes, sem volta. A solidão constante e a ausência de um espaço a qual se encaixar eram elementos preponderantes de quem se enveredava por este caminho. Reza a lenda que a coisa foi tão séria, que a TV teria suspendido a exibição do episódio devido ao massacre de Columbine, ocorrido uma semana antes dele ir ao ar. Para ilustrar melhor este momento, em uma das passagens, Cordelia, Willow, Xander e Oz, interpretam um diálogo forte.
"Xander – Eu ainda tô bolado com o fato de que um de nós pretende matar todos sem motivo algum.
Cordelia: - É, porque isso nunca acontece em Escolas americanas.....
Oz: - Tá virando moda por aqui.
Willow: - Por aqui? Em Sunnydale High? O Centro de todo o Mal?"
Aqui Willow sintetizou muito bem tudo sobre o que acontece na vida normal quando sofre um acréscimo considerável acima da Boca do Inferno, que ficava bem abaixo do Sunnydale High no clássico “A vida na Escola é um Inferno”, algo por qual passa todos os jovens do mundo. E falar aos jovens era a missão dos roteiristas do Buffyverse e sendo assim, não foi muito difícil desenvolver uma brilhante história, que conseguiu unir com perfeição elementos sérios sem o perder o humor (mesmo que mordaz), característica fundamental do universo de Buffy. Enquanto Xander confessa que já pensou por uma única vez destruir "aquele lugar" com uma semiautomática, Buffy descobre que Joyce e Giles haviam se envolvido.
Voltando para o lado sério da coisa, o tal assassinato foi uma descoberta involuntária de Buffy na cantina depois que a caçadora descobriu que o aspecto do Demônio sem boca que derrotara era a telepatia, ou neste caso, a leitura de pensamentos. Buffy experimentou a sensação poderosa de ter todas as portas abertas para pequenos mundos e ela poder entrar sem pedir. Bastaria apenas ouvir.
O Poder foi realmente tentador, afinal, quem não gostaria de descobrir o que todos pensam a seu respeito? Ou o que o outro está pensando em um momento decisivo? Ou o casal de amantes saber definitivamente o que um pensa (sente) sobre o outro? Além disso, Buffy poderia estar um passo à frente do seu inimigo, como bem disse Giles, mas a caçadora não estava muito interessada nisso. O que ela queria era usar este Poder para, por exemplo, ser notada em uma sala de aula como uma aluna aplicada. Em um desses momentos, ela desvenda os segredos de interpretação de Otello, causando ciúmes em uma outra aluna.
Buffy disputando a atenção da Professora com uma outra aluna como pombos disputam migalhas no chão.... |
Diante disso, é certo dizer que mesmo tendo um dever sagrado de salvar o mundo, Buffy queria apenas ser uma garota normal. E ser normal dentro do Sunnydale High já era difícil pra alunos comuns, imagine só para alguém que já tem o seu destino traçado onde popularidade não está inserida nele?
Como se vê, por mais que sejam diferentes, no fundo, todos os alunos se mostram iguais dentro de seu íntimo, pois todos ainda estão vivendo o mesmo tempo, os mesmos sentimentos. A diferença é que alguns sabem lidar melhor com isso do que os outros.
Até o tranquilo Oz teve seu momento de paranóia |
Outro aspecto interessante dessa pequena obra-prima do Buffyverse se dá no desenvolvimento de um personagem pra lá de secundário, que se tornaria um vilão na sexta temporada. Jonathan era uma espécie de tampinha insosso e inexpressivo ignorado pelas belas garotas e ridicularizado pelos rapazes mais populares. Ele não se encaixava em nenhum mundo ali dentro por simplesmente não existir para eles. O isolamento do baixinho era tão grande que ele chegou a se surpreender com o fato de Buffy tê-lo tocado no refeitório.
Em uma passagem, Willow o interroga falando a despeito de fantasias de popularidade que todos os jovens têm. Isso será desenvolvido de maneira ainda mais brilhante em Superstar, episódio da quarta temporada em que Jonathan altera a realidade para se fazer passar pelo homem mais popular do mundo, capaz de interferir em vários assuntos como um verdadeiro Phd. Se uma das maiores armas do Buffyverse é o desenvolvimento de seus personagens, taí mais uma prova de que isso não fica apenas restrito aos principais.
Willow e Jonathan falam a despeito das fantasias que ele irá realizar na quarta temporada |
Mesmo não sendo um dos personagens mais adorados, Jonathan foi usado dentro do Buffyverse como o porta-voz de todos os jovens que sentem como se não tivessem voz e nem vez dentro do Sunnydale High. Sugados pela solidão, não são notados pelos outros, mas não conseguem entender que estes estão tão preocupados com sua própria solidão, que não conseguem notar o que está a seu redor. Neste caso nem mesmo a popularidade consegue fazer sumir este sentimento como ouvimos de Cordelia em Out Of Mind, Out Of Sight da primeira temporada quando tentava escapar de mais uma garota literalmente invisível.
Buffy e Jonathan no momento decisivo: a caçadora fala abertamente da solidão em comum |
As boas intervenções de Buffy nestes dois casos fez a caçadora amadurecer em sua vida estudantil, e de quebra, na pessoal também. A passagem da vida colegial para a Universitária já dava as caras para a nossa heroína, que aqui teve de impedir um assassinato em massa não com a violência que uma caçadora deveria fazê-lo, mas com a sabedoria de alguém que já vive aquele mesmo cenário por 3 anos. Com o Poder de ouvir/escutar que desenvolveu no episódio, Buffy chegou a um denominador comum acerca dos sentimentos dos alunos. A solidão. Não importa quem você seja, isso se torna parte de você em sua jornada de amadurecimento, que trará a força de voz necessária para alcançar a si mesmo. Basta ter muita paciência e discernimento para separar os vários sons que se ouve lá dentro.
Essa diversidade em utilizar os episódios de Buffy para tratar de uma temática simples em relação a uma trama sobrenatural, é uma fórmula que ajudou a não saturar a serie ainda na terceira temporada, e daí passamos a entender que a serie também abordava também uma realidade que adolescentes colegiais vivenciavam (se bem que hoje as coisas não mudaram): como essa questão de jovens que são esquecidos entre as numerosas e cada vez mais tornam-se anti-sociais!
ResponderExcluirAlém desse, existem outros episódios da serie em que a trama do episódio se desenrola a partir de um problema juvenil. E aí fica a pergunta, será que a Flávia também comentará nos futuros posts?
Espero que sim, pois essas abordagens, estão sendo muito boas de se ler!
Valeu William!
ExcluirOlha desde que eu ganhei de presente o livro A Caça-vampiros e a Filosofia passei a entender melhor tudo que envolve este universo, especialmente as cabeças dos adolescentes/jovens e sua difícil arte de crescer. Por isso digo sem medo algum, que Buffy é um seriado para o público jovem, mas que atinge, vai mais além e merece ser explorado, principalmente pelos mesmos, não ficar só se preocupando se são belos ou não, quem fica com quem e etc.....Isso é bom por certo tempo, mas acho mais importante se ligar na mensagem que o seriado passa.
Quanto a sua pergunta, se eu conseguir detectar estas outras mensagens que vc pensou, farrei sim mais postagens a este respeito, ok?
Abraços
Tambem gostei desse episodio Flavia, pois a buffy não precisou usar sua força para salvar o dia, mas o poder do dialogo e atenção a outra pessoa! ^^
ResponderExcluirEsta é uma importante mensagem do seriado Helen!
ExcluirBuffy não é apenas uma heroína que sai quebrando tudo não. Ela também tem seus momentos de usar os outros atributos que tem. Basta lembrar do episódios Helpless em que sem poderes ela salvou sua mãe de um vampiro de forma inteligente.
Valeu pelo comentário querida!